A relação entre os Estados Unidos e Cuba é marcada por tensões políticas e econômicas desde a Revolução Cubana de 1959, que levou à implementação de um rígido embargo econômico em 1962.
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Cerca de 8% dos alimentos consumidos pelos cubanos são produzidos nos EUA |
As autoridades de Cuba quase sempre atribuem a culpa pelas dificuldades econômicas enfrentadas pela população cubana aos efeitos das sanções americanas, lembrando que elas dificultam o comércio e a obtenção de investimentos e financiamentos. Entretanto os críticos do governo de Havana, apontam que a ilha mantém relações comerciais com dezenas de países ao redor do mundo, entre eles a China, a segunda maior economia do planeta, e que recebe sim expressivos investimentos estrangeiros, em setores que têm possibilidade gerar lucro, como o famoso setor de turismo.
Apesar das severas restrições comerciais, um aspecto curioso entre os dois países é o fato de os Estados Unidos serem, atualmente, o principal exportador de alimentos para Cuba. Estima que cerca de 8% dos alimentos importados pela ilha caribenha tenha origem norte-americana. Essa situação curiosa se deve a exceções que permitem aos americanos a exportação de produtos agrícolas e medicamentos para a ilha.
O Embargo e Suas Exceções: Uma Análise Jurídica e Econômica
O embargo econômico, também conhecido em Cuba como "El bloqueo", proíbe transações comerciais entre os dois países em quase todas as áreas, incluindo serviços financeiros, exportações de tecnologia e turismo. Contudo, em 2000, sob a presidência de Bill Clinton, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei de Reforma de Sanções Comerciais e Exportação Agrícola (TSRA). Essa lei permitiu a exportação de alimentos, medicamentos e insumos agrícolas para Cuba, com a condição de que os pagamentos fossem feitos em dinheiro e adiantados, sem crédito.
A inclusão de alimentos nas exceções ao embargo é resultado de pressões de grupos agrícolas dos EUA, que enxergaram no mercado cubano uma oportunidade comercial, apesar das tensões políticas. Desde então, os Estados Unidos têm fornecido uma ampla variedade de produtos alimentícios para Cuba, incluindo carne de frango, milho, soja e trigo.
Cuba e sua Dependência de Alimentos Importados
Cuba enfrenta sérios desafios na produção agrícola devido à falta de insumos modernos, maquinário defasado e uma política econômica centralizada que limita a eficiência do setor e a liberdade dos produtores da ilha. O país importa entre 60% e 70% dos alimentos que consome, segundo dados oficiais. Isso corresponde a 50% da cesta mensal de alimentos subsidiada pelo Governo e fornecida à população. Nesse cenário caótico os Estados Unidos se destacam como um fornecedor importante devido à proximidade geográfica, preços competitivos e qualidade dos produtos.
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Cuba enfrenta sérios desafios na produção agrícola |
Em anos recentes, os Estados Unidos chegaram a fornecer mais de 80% do frango consumido em Cuba, além de quantidades significativas de grãos e outros itens básicos. Essa dependência cria um paradoxo econômico: enquanto o embargo restringe severamente o comércio com os americanos em outros setores, os alimentos americanos têm um papel crucial na segurança alimentar dos cubanos.
A Influência da Comunidade Cubano-Americana
Um fator também não muito comentado pela mídia, mas essencial para entender a manutenção do embargo, mesmo com as exceções relacionadas a alimentos, é a influência da comunidade cubana nos Estados Unidos. Concentrada principalmente no estado da Flórida, essa comunidade inclui muitos exilados e descendentes de pessoas que fugiram do regime socialista da ilha.
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A comunidade cubana é muito influente no estado da Flórida |
Tradicionalmente, essa comunidade tem exercido forte pressão política para manter o embargo como uma forma de pressionar o governo cubano e derrubar o regime. A visão predominante entre os exilados é que o embargo serve como um instrumento para forçar mudanças políticas em Cuba, promovendo a democratização e o respeito aos direitos humanos.
Essa postura é particularmente evidente em períodos eleitorais, já que a Flórida é um estado importante nas eleições presidenciais americanas. Políticos de ambos os partidos frequentemente se alinham com os interesses da comunidade da ilha para garantir apoio eleitoral, o que dificulta qualquer tentativa de suspender o embargo.
Ao mesmo tempo, essa mesma comunidade é uma das maiores fornecedoras de divisas para o país embargado. Entre 2008 e 2018, o total de remessas de dinheiro dos EUA para Cuba foi de US$ 30 bilhões. Grande parte desse valor são divisas enviadas de cubanos exilados para parentes e amigos que ainda vivem na ilha.
O Papel dos Alimentos no Contexto Político
Como explicado, apesar do embargo, a exportação de alimentos dos Estados Unidos para Cuba é vista como uma medida humanitária e econômica. Os defensores dessa política argumentam que fornecer alimentos à ilha ajuda a aliviar as dificuldades enfrentadas pela população cubana sem fortalecer o governo de Havana.
Os críticos, por outro lado, apontam que a venda de alimentos representa uma contradição na política americana, ao mesmo tempo que demonstra o impacto limitado do embargo sobre as condições econômicas em Cuba. Eles também ressaltam que o embargo e a dependência de alimentos americanos são frequentemente usados pelo governo cubano como justificativa para seus próprios fracassos econômicos.
Impactos da Relação Comercial Alimentícia
A dependência de alimentos americanos por Cuba tem gerado discussões sobre como as relações bilaterais podem evoluir. Durante o governo de Barack Obama, houve uma tentativa de normalização das relações, que incluiu medidas para facilitar o comércio e o turismo. No entanto, o governo de Donald Trump reverteu muitas dessas políticas, reforçando o embargo e limitando ainda mais as interações entre os dois países.
Embora o presidente Joe Biden tenha prometido revisar a política americana em relação a Cuba, mudanças significativas ainda não ocorreram. A exportação de alimentos permanece como uma das poucas áreas de interação comercial entre os dois países, evidenciando a complexidade da relação bilateral.
A Dinâmica Econômica e os Desafios Futuros
Para Cuba, a dependência de alimentos importados dos Estados Unidos representa um dilema. Enquanto o governo cubano critica o embargo como um obstáculo ao desenvolvimento econômico, a compra de alimentos americanos mostra que a relação comercial entre os dois países é possível, mesmo em condições adversas.
Nos Estados Unidos, o setor agrícola continua a defender a manutenção das exportações de alimentos para Cuba, citando os benefícios econômicos e o potencial para fortalecer os laços bilaterais a longo prazo. No entanto, a manutenção do embargo, especialmente devido à influência da comunidade cubano-americana, parece limitar o alcance dessa interação.
Amigos e Inimigos
O fato de os Estados Unidos serem o principal exportador de alimentos para Cuba é um dos paradoxos das Relações Internacionais. Enquanto o embargo continua a restringir severamente o comércio em várias áreas, as exceções para alimentos e medicamentos mostram como interesses econômicos e humanitários podem coexistir em meio a tensões políticas de regimes antagônicos.
No entanto, a influência da comunidade cubano-americana e o uso político do embargo como ferramenta de pressão tornam improvável uma mudança significativa no curto prazo. A exportação de alimentos, embora crucial para Cuba, também evidencia as limitações de uma política que, apesar de durar décadas, ainda enfrenta críticas quanto à sua eficácia em alcançar os objetivos propostos. Exemplificando que os dois lados utilizam sua existência como ferramenta política.