A criação do Estado de Israel em 1948 foi, sem dúvida alguma, um dos eventos mais marcantes do século XX, com raízes profundas em movimentos políticos globais e tensões geopolíticas. A União Soviética, surpreendentemente, desempenhou um papel importante nesse processo, especialmente nos primeiros anos da independência de Israel. Apesar de a URSS ter eventualmente se afastado de Israel e se alinhado com os países árabes durante a Guerra Fria, no período inicial, Moscou foi um dos principais apoiadores do novo estado judeu, tanto no campo diplomático quanto militar.
Stalin via Israel como uma oportunidade de ampliar sua influência |
A URSS foi o primeiro país a reconhecer Israel oficialmente, em maio de 1948, e em seu discurso na ONU, em maio de 1947, o embaixador soviético, Andrei Gromyko, enfatizou a necessidade e responsabilidade com a partição da Palestina.
Nas palavras do embaixador soviético:
"O fato de que nenhum Estado europeu ocidental tenha sido capaz de garantir a defesa dos direitos básicos do povo judeu, e salvá-los contra a violência dos executores fascistas, explica a aspiração dos judeus de desejarem estabelecer o seu próprio Estado. Seria uma injustiça não considerarmos isso e negarmos o direito do povo judeu de concretizar essa aspiração. Seria injustificável negar esse direito ao povo judeu , particularmente considerando tudo o que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial"
A URSS e a Criação de Israel
O apoio soviético à criação do Estado de Israel está diretamente ligado ao contexto histórico do pós-Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, milhões de judeus foram vitimas do Regime Alemão, o que gerou uma grande pressão internacional pela criação de um lar nacional para o povo judeu. A Palestina, então sob o controle britânico, era o local escolhido devido à conexão histórica e religiosa do judaísmo com a região.
Andrei Gromyko discursou a favor da criação da Resolução 181/1947 |
A União Soviética, sob o governo de Josef Stalin, inicialmente viu a ideia de um Estado judeu como uma oportunidade estratégica. Em 1947, a ONU aprovou a Resolução 181, que recomendava a partição da Palestina em um estado judeu e um estado árabe. A URSS votou a favor da resolução, juntamente com os Estados Unidos, uma das raras situações em que as duas potências votariam a favor do mesmo projeto. Esse apoio foi crucial, pois garantiu a legitimidade internacional da proposta e pavimentou o caminho para a criação de Israel em 1948.
Stálin não autorizou que cidadãos judeus soviéticos imigrassem para Israel, mas não impediu que a Polônia socialista facilitasse a partida de judeus para a Palestina, especialmente judeus sobreviventes da tragédia da Segunda Guerra que viviam na Europa Oriental. Lembrando que a Polônia foi o único país da esfera de influência soviética no Leste Europeu que permitiu a imigração judaica sem impor grandes restrições.
A proibição da imigração judaica para Israel só foi oficialmente encerrada em 1971, levando primeira grande onda de imigração judaica dos anos 70. Estima-se que nessa época cerca de 200 mil judeus de origem soviética se estabeleceram em Israel.
Com chegada de Mikhail Gorbachev ao poder, em meados da década de 1980 e suas políticas de glasnost e perestroika, diminuíram as restrições, permitindo a segunda e maior onda de imigração para Israel. Estima- se que, nos anos 90, 800 mil imigraram para Israel, entre eles judeus e não-judeus. Em 2000, esses imigrantes e a primeira geração que deles nasceu em Israel totalizavam cerca de 18% da população do país, cerca de 1,1 milhões de pessoas, em um país com
Outro ponto de apoio central foi o auxílio militar, por meio da Tchecoslováquia, um estado satélite soviético, Moscou ajudou a armar as forças judaicas na Palestina. A Tchecoslováquia forneceu armas, munições e treinamento militar para algumas milícias judaicas. Até mesmo os primeiros aviões da Força Aérea Israelense foram comprados da Tchecoslováquia. Esses recursos foram essenciais para que os israelenses defendessem o país recém independente durante a Guerra Árabe-Israelense de 1948-1949. Na época, os EUA, embora apoiassem formalmente a criação de Israel, proibiram oficialmente o fornecimento de armas para o Oriente Médio.
A Relação entre os Primeiros Líderes de Israel e Moscou
Os primeiros líderes de Israel mantinham uma relação complexa com a União Soviética. Muitos deles, incluindo David Ben-Gurion, o primeiro primeiro-ministro de Israel, foram influenciados pelo socialismo europeu, que moldou o movimento sionista trabalhista. O movimento kibutz, por exemplo, compartilhava semelhanças com os ideais comunistas de propriedade coletiva e igualdade.
Os primeiros líderes de Israel foram influenciados pelo socialismo europeu |
Moscou viu inicialmente os sionistas socialistas como aliados naturais em um mundo bipolar, onde o comunismo e o capitalismo estavam em constante competição. A liderança israelense não era necessariamente pró soviética, mas havia áreas de convergência, especialmente no que diz respeito à construção de um estado com valores socialistas.
No entanto, ao mesmo tempo em que os primeiros líderes israelenses mantinham diálogos pragmáticos com Moscou, eles também eram realistas sobre a necessidade de equilibrar as relações entre as duas grandes potências, os Estados Unidos e a União Soviética, para garantir o apoio necessário à sobrevivência de Israel.
As Motivações Soviéticas
As motivações soviéticas para apoiar a criação de Israel eram estratégicas. Stalin acreditava que um estado judeu na Palestina poderia ser uma vantagem contra os interesses britânicos no Oriente Médio, enfraquecendo a presença imperialista ocidental na região. Além disso, o apoio a Israel no início poderia atrair o novo estado para a órbita soviética, especialmente devido à influência socialista dentro de Israel.
Outra possível motivação era o desejo de Moscou de expandir sua influência entre as comunidades judaicas globais. Muitos judeus na União Soviética e na Europa Oriental viam a criação de Israel como um projeto progressista e estavam entusiasmados com a possibilidade de um Estado judeu com valores socialistas.
O Gradual Afastamento
Apesar do apoio inicial, a relação entre a URSS e Israel começou a se deteriorar logo após a fundação do Estado. Uma das principais razões para isso foi a decisão de Israel de se alinhar progressivamente com os Estados Unidos e as democracias ocidentais. Durante a Guerra Fria, Israel buscava garantias de segurança e apoio econômico, algo que os Estados Unidos estavam dispostos a oferecer, especialmente devido à pressão da influente comunidade judaica americana.
Mikhail Gorbachev diminuiu as restrições para a imigração judaica |
Outro motivo foi que, como explicado, governo soviético negava a imigração dos judeus soviéticos para Israel. A posição soviética era que todos os judeus soviéticos, como todos os soviéticos em geral, eram felizes e não precisavam mudar para uma "Terra Prometida" no Oriente Médio.
Na década de 1950, a União Soviética começou a apoiar abertamente os estados árabes no conflito com Israel. A partir da Crise de Suez em 1956, Moscou forneceu apoio militar e econômico a países como o Egito e a Síria, posicionando-se contra Israel em diversas guerras subsequentes.
Assim, a propaganda soviética mudou, e Moscou começou a ver oficialmente o sionismo como um movimento burguês e imperialista, em oposição aos valores comunistas. Além disso Stalin também temia que as lealdades dos judeus soviéticos se voltassem para Israel, o que levou a uma repressão contra comunidades judaicas na URSS.
A verdade é que a posição anti-israelense começou a conceder aos soviéticos uma posição favorável entre as nações árabes, em oposição ao apoio estadunidense a Israel. Algo bom para a geopolítica soviética no Oriente Médio, mas ruim para os EUA e Israel.
Importância Histórica e Desafios Futuros
Não deixa de ser curioso pensar que o apoio inicial da URSS foi crucial para a fundação de Israel, especialmente no fornecimento de armas e na legitimação diplomática. No entanto, as divergências ideológicas e as alianças estratégicas acabaram empurrando os dois países para lados opostos durante a Guerra Fria. Hoje, a história desse apoio inicial é frequentemente obscurecida e esquecida pelas tensões posteriores a essa inusitada aliança. Mas a história é feita de momentos de aparentes contradições, e esse é um desses exemplos perfeitos.