domingo, 21 de julho de 2024

O que foi a Diáspora Judaica

    A diáspora judaica refere-se à dispersão dos judeus para fora das terras da antiga Judeia e seu assentamento em várias partes do mundo ao longo dos milênios. Este fenômeno histórico começou na antiguidade e tem suas raízes em uma série de eventos políticos, militares e econômicos que forçaram os judeus a deixar sua pátria e buscar refúgio em outras regiões.

A Primeira Diáspora

    A primeira grande diáspora ocorreu no século VI a.C., quando o Reino de Judá foi conquistado pelo Império Babilônico. Em 586 a.C., Jerusalém foi destruída e muitos judeus foram exilados para a Babilônia. Este evento, conhecido como o Cativeiro Babilônico, marcou o início da diáspora judaica. Durante o exílio, os judeus mantiveram sua identidade cultural e religiosa, praticando suas tradições e escrevendo importantes textos religiosos, como parte significativa da Bíblia Hebraica.

A primeira grande diáspora ocorreu em 586 a.C, após a Conquista da Babilônia


    Após o retorno de alguns judeus à Judeia, sob o decreto de rei Ciro, o Grande, da Pérsia, a presença judaica na Babilônia continuou significativa. Ao longo dos séculos, a diáspora se expandiu devido a uma série de conquistas e expulsões. A dominação helenística sob Alexandre, o Grande, e depois o domínio romano, resultaram em novas ondas de dispersão.

A Segunda Diáspora

    Um dos momentos mais críticos da diáspora ocorreu no século I d.C. após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. A destruição foi o resultado da Grande Revolta Judaica contra o domínio romano, e culminou com a dispersão forçada de grande parte da população judaica. Posteriormente, em 135 d.C., a Rebelião de Barcoquebas contra Roma, ocorreu entre os anos de 132 e 135, durante o governo do imperador Adriano, sendo liderada por Simão Barcoquebas. Essa rebelião Foi sufocada pelas tropas do comandante romano Sexto Júlio Severo, e também resultou na expulsão dos judeus da Judeia e na proibição de sua entrada em Jerusalém, intensificando ainda mais a diáspora.

Destruição do Segundo Templo de Jerusalém em 70 d.C


O Destino

    Durante a Idade Média, os judeus se espalharam por toda a Europa, Oriente Médio e Norte da África. Em muitas regiões, formaram comunidades prósperas, contribuindo significativamente para o comércio, ciência, medicina e cultura. No entanto, a vida na diáspora nem sempre foi fácil. Os judeus frequentemente enfrentavam discriminação, perseguição e expulsões. Por exemplo, em 1492, os Reis Católicos da Espanha emitiram o Decreto de Alhambra, que expulsou todos os judeus que se recusavam a se converter ao cristianismo. Muitos desses judeus expulsos se estabeleceram em outros países europeus, no Império Otomano e no Norte da África. 

Em 1492, os Reis Católicos da Espanha expulsaram os judeus da Espanha


    No Leste Europeu, particularmente na Polônia e Lituânia, grandes comunidades judaicas floresceram. Os judeus dessa região, conhecidos como asquenazes, desenvolveram uma rica cultura e tradição, incluindo o idioma iídiche. No entanto, estas comunidades também enfrentaram perseguições periódicas, como os pogroms na Rússia e em outros países.  O termo pogrom tem múltiplos significados, mais frequentemente atribuída à perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso, aprovado ou tolerado pelas autoridades locais, sendo um ataque massivo, com a destruição simultânea do ambiente em que a comunidade atingida vive. Historicamente, o termo é usado para designar os violentos ataques da população não judia contra os judeus na área do Império Russo.

Perseguições na Rússia czarista, levaram cerca de dois milhões de judeus fugirem


    Ao mesmo tempo, no mundo islâmico, os judeus sefarditas, descendentes daqueles expulsos da Espanha e Portugal, se estabeleceram em várias partes do Império Otomano, Norte da África e Oriente Médio. Em muitos casos, os judeus viveram em relativa paz e prosperidade sob o domínio islâmico, embora também enfrentassem períodos de opressão e discriminação por parte dos muçulmanos.

A Vida na Diáspora

    A diáspora judaica também desempenhou um papel crucial na criação de laços entre diferentes comunidades judaicas ao redor do mundo. Apesar das distâncias geográficas e culturais, os judeus mantiveram um forte senso de identidade comum, sustentado pela religião, tradições e a esperança de retornar à Terra de Israel. Esta esperança foi um tema central nas orações e textos religiosos judeus ao longo dos séculos.

    Um exemplo foi Yehudah ben Samuel Halevi, que viveu entre 1070 e 1141 em Al-Andalus (nome dado a península Ibérica durante o domínio muçulmano), médico e filósofo judeu, conhecido pela sua extensa e magnífica obra poética em hebraico, da qual se conservam cerca de 800 composições, que abordam de temas seculares e sagrados. Um de seus poemas mais famosos é o "Minha Alma Suspira por Ti", neste poema Yehuda expressa a profunda conexão emocional e espiritual que os judeus mantinham com Jerusalém, mesmo estando dispersos em várias partes do mundo. O poeta lamenta a distância física e espiritual entre ele e a Terra Santa, destacando o desejo ardente de retornar a Sião.

Os judeus mantiveram por séculos a esperança de retornar a terra de Israel


    No século XIX e início do século XX, a diáspora judaica passou por transformações significativas devido a fatores como a emancipação, o nacionalismo e a imigração em massa. Movimentos de reforma religiosa e política emergiram, refletindo as mudanças nas condições sociais e políticas nas várias partes do mundo onde os judeus viviam.

    A imigração em massa de judeus, particularmente para os Estados Unidos, que fugiam dos progroms realizados no Império Russo entre os anos de 1880 a 1920,  mudou drasticamente a demografia judaica global. A busca por melhores oportunidades econômicas e a fuga de perseguições na Rússia czarista, levaram cerca de dois milhões de judeus a se estabelecerem na América, onde formaram novas e vibrantes comunidades. 

O Estado de Israel

    A culminação dos séculos de diáspora foi a criação do Estado de Israel em 1948, um marco histórico que realizou a antiga aspiração de um lar nacional judaico. A fundação de Israel teve um impacto profundo nas comunidades judaicas da diáspora, oferecendo um refúgio para aqueles que fugiam da perseguição e proporcionando um centro cultural e espiritual para os judeus em todo o mundo.

    No entanto, a vida na diáspora continua a ser uma realidade para muitos judeus. As comunidades judaicas ao redor do mundo continuam a prosperar, contribuindo para as sociedades onde vivem, enquanto mantêm fortes laços com o atual Estado de Israel e com suas tradições ancestrais. A diáspora é um testemunho da resiliência e adaptabilidade do povo judeu, que, apesar de séculos de dispersão e adversidade, conseguiu manter sua identidade e coesão cultural ainda que separados por milênios.

Veja Também: A Diáspora Judaica



segunda-feira, 8 de julho de 2024

Porque o Inglês não é o Idioma dos EUA

    Embora o inglês seja indiscutivelmente a língua dominante nos Estados Unidos, ele nunca foi oficialmente declarado como o idioma nacional. A falta de um idioma oficial nos Estados Unidos é um reflexo da diversidade cultural e histórica, bem como das complexidades políticas e sociais que moldaram sua formação e desenvolvimento.

    A predominância do inglês nos Estados Unidos é um legado direto da colonização britânica. Quando os colonos britânicos chegaram à América do Norte no início do século XVII, trouxeram consigo a língua inglesa, que rapidamente se tornou a língua principal das colônias. Após a independência dos Estados Unidos em 1776, o inglês continuou a ser a língua predominante, utilizada no governo, na educação e nos negócios. No entanto, ao contrário de muitos outros países que estabelecem um idioma oficial através de legislação, os Estados Unidos nunca adotaram formalmente o inglês como seu idioma nacional.

Predominância do inglês nos Estados Unidos é indiscutível (fonte: pexels)


    A ausência de um idioma oficial pode ser atribuída a vários fatores. Em primeiro lugar, os fundadores da nação (os líderes políticos que assinaram a Declaração de Independência ou participaram da Revolução Americana como líderes) estavam profundamente comprometidos com os princípios de liberdade e diversidade. Eles acreditavam que a imposição de um idioma oficial poderia ser vista como uma forma de opressão cultural, contrária aos ideais de liberdade que fundamentavam a nova república, basta recordar que a história da colonização americana está diretamente ligada a diversos grupos que se estabeleceram fugindo justamente de perseguições no Velho Mundo. Muitos dos primeiros colonos americanos eram de diferentes origens étnicas e linguísticas, incluindo alemães, holandeses, suecos e franceses, e a coexistência de múltiplas línguas era vista como uma expressão da diversidade cultural.

    Outro fator importante foi o pragmatismo político. Nos primeiros anos da república, havia um temor de que a imposição de um idioma oficial pudesse alienar alguns grupos étnicos e culturais e causar divisões internas. Em vez disso, os líderes americanos optaram por uma abordagem mais democrática, permitindo incialmente que diferentes comunidades mantivessem suas próprias línguas e culturas enquanto se integravam à sociedade americana.

Influencia Cultural 

    Entretanto, isso não impediu que indiretamente o inglês começasse a alcançar um "status" superior ao demais idiomas. 

    No final da década de 1880, Wisconsin e Illinois aprovaram leis que permitiam o ensino somente em inglês nas escolas públicas e paroquiais. Em 1896, sob o governo da República do Havaí, o inglês se tornou o principal meio de ensino público para crianças havaianas. 

Influencia no Exterior

    Após a Guerra Hispano-americana, em 1902, uma lei passou a exigir que todos os documentos oficiais que circulassem em Porto Rico (território sob controle norte-americano) deveriam estar traduzidos também para o inglês. Em 1909, o espanhol foi proibido em todas as escolas públicas. Em 1917, o inglês tornou-se o idioma oficial de Porto Rico. Eventualmente, na década de 1930, o espanhol passaria a ser permitido nas escolas primárias, mas o inglês permaneceu como imperativo para a formação básica completa. Apenas em 2015 o Senado de Porto Rico aprovou uma lei que declarava o espanhol como o primeiro idioma oficial da ilha, dando ao inglês o status de segunda língua. 

Desde 1902, Porto Rico está sob controle dos EUA


Predominância do Inglês

    Apesar da ausência de um idioma oficial, o inglês emergiu como a língua dominante nos Estados Unidos. Isso se deve em grande parte à sua prevalência nas instituições governamentais, na educação e nos meios de comunicação. A maioria dos documentos oficiais e das comunicações do governo são em inglês, e a proficiência em inglês é um requisito para a naturalização de imigrantes. Além disso, o inglês é a língua principal de instrução nas escolas e a língua mais utilizada nos negócios e na vida cotidiana.

    A supremacia do inglês também reflete a realidade demográfica. De acordo com o Censo dos Estados Unidos de 2020, cerca de 78% da população fala apenas inglês em casa, e muitos daqueles que falam outras línguas também são fluentes em inglês. A presença predominante do inglês facilita a comunicação e a coesão social em um país vasto e diversificado.

Oficializar ou Não

    A questão de oficializar o inglês como o idioma nacional tem sido objeto de debate político e social. Desde o século XIX, houve várias tentativas de declarar o inglês como o idioma oficial dos Estados Unidos. Essas iniciativas geralmente ganharam força em períodos de aumento da imigração, quando havia preocupações sobre a assimilação de novos imigrantes e a preservação da identidade cultural americana.

    A oposição à oficialização do inglês como idioma nacional baseia-se em argumentos tanto práticos quanto ideológicos. Do ponto de vista prático, os críticos argumentam que tal medida é desnecessária, uma vez que o inglês já é de facto a língua dominante. Eles também destacam que a imposição de um idioma oficial poderia prejudicar comunidades de imigrantes e dificultar o acesso a serviços públicos para aqueles que não são fluentes em inglês.



    Do ponto de vista ideológico, a oposição à oficialização do inglês como idioma nacional está enraizada nos princípios de liberdade e diversidade que são fundamentais para a identidade americana. Muitos argumentam que a pluralidade linguística é uma força, não uma fraqueza, e que a imposição de um único idioma oficial seria um retrocesso nos valores democráticos e inclusivos que definem os Estados Unidos.

    Assim, a ausência de um idioma oficial nos Estados Unidos é na prática um reflexo da sua história única, marcada pela diversidade cultural e pelo compromisso com os princípios de liberdade e democracia. Embora o inglês seja a língua dominante e desempenhe um papel central na coesão social e na comunicação, a decisão de não oficializá-lo reflete a complexidade das questões linguísticas, culturais e políticas própria da sociedade estadunidense. As tentativas de oficializar o inglês como idioma nacional continuam a ser um ponto de debate, evidenciando as tensões entre a unidade e a diversidade na sociedade americana. Um debate que de tempos em tempos ganha força. 

Veja Também: Porque o Inglês não é Idioma dos EUA




sábado, 6 de julho de 2024

A Constituição da Mandioca e os Escravocratas

    A "Constituição da Mandioca" foi o nome que ficou comumente conhecido o projeto de constituição elaborado pela Assembleia Constituinte do Brasil em 1823. Esse documento é conhecido assim porque usava a mandioca como referência para a definição do censo eleitoral e dos cargos políticos. Esse período da história brasileira é marcado por intensas disputas entre diferentes grupos políticos e interesses, especialmente entre aqueles que defendiam a continuidade da escravidão e os que buscavam maior autonomia e direitos para os brasileiros.

constituição, embora liberal em vários artigos, favorecia os escravocratas


A Origem da Proposta

    Após a declaração de independência em 1822, o Brasil estava em busca de uma constituição que definisse as bases do novo país. A Assembleia Constituinte de 1823, convocada por Dom Pedro I, foi encarregada de elaborar esse documento. No entanto, as tensões entre brasileiros e portugueses continuaram a influenciar as políticas e as decisões tomadas nessa época.

A Constituição da Mandioca

    O nome "Constituição da Mandioca" deriva do fato de que a renda mínima exigida para que alguém pudesse votar ou se candidatar a um cargo político era calculada com base no valor da mandioca, um produto agrícola amplamente cultivado no Brasil. Esse critério de renda favorecia os grandes proprietários de terras, que tinham a maior parte de suas riquezas vinculadas à agricultura, especialmente ao cultivo de mandioca e outros produtos como café e açúcar.

    O esboço do projeto continha 272 artigos influenciados pelas ideias do Iluminismo, no tocante à soberania nacional e ao liberalismo econômico. Ele instituía o voto indireto censitário, em que os eleitores do primeiro grau (paróquia), tinham que provar uma renda mínima de 150 alqueires anuais de plantação de mandioca. Eles elegeriam os eleitores do segundo grau (província), que necessitavam de uma renda mínima de 250 alqueires. Estes últimos, elegeriam deputados e senadores, que precisavam de uma renda de 500 e 1000 alqueires respectivamente, para se candidatarem. Ou seja, não representava apenas a quantidade de terra do eleitor, mas também a quantidade de escravos que o mesmo possuía, visto que a mandioca e a farinha de mandioca eram os alimentos básicos dos escravos e trabalhadores rurais da época.

    Assim essa constituição, embora liberal em vários artigos, favorecia explicitamente os interesses dos grandes proprietários rurais e dos escravocratas. Estabelecia um censo eleitoral que excluía a maioria da população, incluindo escravos, libertos e trabalhadores assalariados sem propriedade significativa. Dessa forma, o poder político ficava concentrado nas mãos de uma elite agrária que dependia economicamente do trabalho escravo.

Benefícios para os Escravocratas

    A Constituição da Mandioca foi projetada para manter e fortalecer o controle da elite agrária sobre o sistema político brasileiro. Ao basear o direito de voto e a elegibilidade para cargos públicos na propriedade de terras e na produção agrícola, a constituição consolidava o poder dos grandes fazendeiros e proprietários de escravos. Isso garantiu que as leis e políticas aprovadas protegessem e perpetuassem o sistema escravocrata.

A Noite da Agonia

    Talvez um dos eventos mais controversos da historiografia brasileira, a "Noite da Agonia" aconteceu entre os dias 11 para 12 de novembro de 1823, quando Dom Pedro I, insatisfeito com a orientação liberal da Assembleia Constituinte e sua tentativa de limitar os poderes do imperador, ordenou que as tropas cercassem o prédio onde a Assembleia se reunia e dissolvessem a sessão. Muitos deputados foram presos ou exilados. Esse golpe de estado mostrou a determinação de Dom Pedro I em manter seu poder absoluto e sua desconfiança em relação às elites liberais que estavam começando a se formar no país.

Dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte em 1823


 Relação entre Brasileiros e Portugueses

    A tensão entre brasileiros nativos e portugueses residentes no Brasil (ou aqueles com fortes laços com Portugal) era intensa nesse período. Os brasileiros sentiam-se frequentemente marginalizados em relação aos portugueses, que ocupavam muitos dos postos administrativos e comerciais mais importantes. A independência não resolveu imediatamente essas tensões, pois muitos portugueses continuaram a ocupar posições de poder, e as elites brasileiras temiam que as mudanças propostas pela Assembleia Constituinte pudessem ameaçar sua posição.

Efeitos Indiretos sobre os Escravocratas

    Embora a Constituição da Mandioca fosse destinada a reforçar o poder dos escravocratas, sua adoção nunca ocorreu devido ao golpe de Dom Pedro I. No entanto, a crise que culminou na Noite da Agonia e a subsequente dissolução da Assembleia Constituinte geraram um período de instabilidade política que enfraqueceu o poder dos grandes proprietários de escravos. A intervenção de Dom Pedro I criou um ambiente de incerteza e contestação, permitindo que outros grupos e interesses políticos começassem a ganhar espaço no cenário nacional.

    Além disso, a dissolução da Assembleia Constituinte levou à criação de uma nova constituição em 1824, que, embora ainda conservadora, era menos explícita em sua defesa dos interesses dos escravocratas em comparação com a proposta da Constituição da Mandioca. Esse documento estabeleceu uma monarquia constitucional com um sistema político que permitia, embora limitadamente, alguma forma de participação política para uma gama mais ampla de indivíduos, enfraquecendo indiretamente a estrutura de poder exclusivamente agrária e escravocrata. 

A Escravidão só seria abolida em 13 de maio de 1888 (aproximadamente 66 anos
após a independência do Brasil)


    A Noite da Agonia e a subsequente instabilidade política revelaram as profundas divisões dentro da sociedade brasileira da  época, e as dificuldades em estabelecer um governo estável e representativo. Enquanto a Constituição da Mandioca foi projetada para beneficiar os escravocratas, a turbulência política que se seguiu acabou por enfraquecer sua posição de poder, abrindo caminho para novas formas de organização política e social no Brasil, embora não colocasse fim na escravidão. 

Veja Também: A Noite da Agonia e a Constituição Imperial



quinta-feira, 27 de junho de 2024

Como o Poder Moderador Moldou o Brasil

    O Poder Moderador foi uma inovação política introduzida pela Constituição de 1824, a primeira constituição do Brasil, e única sob o regime imperial, a Carta que, por mais tempo, esteve em vigor, permanecendo por 65 anos. Este poder tinha como objetivo garantir a estabilidade do governo e a harmonia entre os demais poderes, desempenhando um papel crucial no sistema político do Império do Brasil. Sua origem e conceito estão diretamente ligados ao pensamento político de meados do século XIX, particularmente influenciado pelo filósofo francês Benjamin Constant.

Constituição de 1824 estabeleceu o Poder Moderador


    Benjamin Constant, em suas reflexões sobre a política pós-revolucionária na França, propôs a ideia de um poder neutro que atuaria como um árbitro entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, assegurando a continuidade e a estabilidade do estado. No Brasil, essa ideia foi adaptada pelo imperador Dom Pedro I e seus conselheiros para se ajustar à realidade política e social do país recém-independente.

    A Constituição de 1824, outorgada por Dom Pedro I, estabeleceu quatro poderes: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Moderador. Este último era exercido exclusivamente pelo monarca, que tinha a prerrogativa de manter o equilíbrio entre os outros três poderes e assegurar o funcionamento harmonioso do governo. As funções do Poder Moderador incluíam nomear e demitir ministros, dissolver a Câmara dos Deputados, sancionar ou vetar leis, convocar e dissolver assembleias, e garantir a execução das leis e a integridade do país.

    No contexto do Brasil Império, o Poder Moderador era considerado essencial para consolidar a autoridade central e evitar as fragmentações e disputas internas que poderiam ameaçar a unidade nacional. É importante lembrar que estrutura política e administrativa do país ainda estava em formação, e a figura do imperador, com poderes amplos, era vista como um elemento de estabilidade e continuidade. Em especial se imaginarmos um contexto em que as elites locais disputavam poder constantemente. 

A abdicação de Dom Pedro I em 1831 


    Durante o reinado de Dom Pedro I, o uso do Poder Moderador foi frequentemente controverso. O imperador enfrentou críticas por sua forma autoritária de governar e por interferências constantes no Legislativo. A insatisfação culminou na abdicação de Dom Pedro I em 1831, deixando o trono para seu filho, Dom Pedro II, que tinha apenas cinco anos na época. Durante a regência que se seguiu, o Poder Moderador não foi exercido diretamente, mas a sua importância foi mantida na estrutura do governo.

Dom Pedro II utilizou o poder de forma mais sutil 


    Com a maioridade de Dom Pedro II em 1840, o Poder Moderador voltou a ser central na política brasileira. Dom Pedro II, ao contrário de seu pai, utilizou o Poder Moderador de forma mais sutil e equilibrada, o que lhe permitiu governar por quase cinquenta anos com uma relativa estabilidade política. Ele nomeava ministros de acordo com a situação política do momento, buscando sempre manter o equilíbrio entre as forças conservadoras e liberais do país.

    O Poder Moderador também permitiu ao imperador dissolver a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições, uma medida que foi usada para resolver crises políticas e garantir que o Legislativo representasse melhor os interesses do país. Apesar disso, o uso desta prerrogativa nem sempre era bem-visto e gerava tensões, especialmente quando utilizado de forma a favorecer um grupo político específico.

    As interferências do Poder Moderador no Judiciário eram menos frequentes, mas o imperador tinha o direito de nomear juízes para os tribunais superiores, o que influenciava a administração da justiça no país. A figura do imperador como árbitro supremo das disputas políticas e legais garantia que sua influência se estendesse a todas as esferas do governo.

    A presença do Poder Moderador também refletia as peculiaridades do sistema monárquico brasileiro, que buscava conciliar tradições europeias com as realidades locais. No entanto, a concentração de poderes na figura do imperador era um ponto de constante debate e crítica. Os movimentos republicanos que surgiram ao longo do século XIX viam o Poder Moderador como uma ferramenta de autocracia que limitava o desenvolvimento de um governo verdadeiramente representativo e democrático.

    Com a proclamação da República em 1889, o Poder Moderador foi abolido, sendo substituído por um sistema presidencialista inspirado nos modelos republicanos da época. A queda do Império marcou o fim de uma era em que a figura do imperador era vista como a fonte de equilíbrio e estabilidade política.

Proclamação da República em 1889 pois fim ao Poder Moderador


    Fica evidente que até o fim da monarquia, o Poder Moderador teve um papel fundamental na história política do Brasil Império. Originado das ideias de Benjamin Constant e adaptado à realidade brasileira, foi utilizado para consolidar a autoridade do imperador e garantir a estabilidade do governo e consequentemente das fronteiras do Império. Durante o reinado de Dom Pedro I e especialmente de Dom Pedro II, o Poder Moderador serviu para mediar conflitos entre os poderes e manter a unidade nacional. No entanto, sua existência também gerou controvérsias e críticas, contribuindo para o debate sobre a necessidade de uma estrutura política mais democrática e representativa. A abolição dele com a proclamação da República refletiu uma mudança na forma de governo do Brasil e a busca por um sistema político mais equilibrado, embora fique evidente que nem sempre isso é possível.

    No Brasil, ele foi exercido de forma única. Por isso é difícil como seria o Brasil sem a presença desse poder, que se fundia com a própria estrutura estatal e social do Império.

Veja Também: O Poder que criou o Brasil Império


 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Como a Rússia Conquistou o Alasca

     A conquista e colonização russa do Alasca é um capítulo fascinante da história mundial que combina exploração, comércio, e a competição imperialista entre grandes potências europeias da época. Esta saga começou no final do século XVIII e continuou até meados do século XIX, culminando na venda do Alasca para os Estados Unidos em 1867. A história começa com a busca russa por novos recursos e se entrelaça com a vida dos povos nativos, além de refletir as tensões geopolíticas da época.

Em 1741, a expedição de Vitus Bering e Alexei Chirikov
 chegou à costa do Alasca


O Início da Colonização Russa

    A era de exploração russa no Alasca teve suas raízes no final do século XVI e início do século XVII, quando os cossacos russos avançaram através da Sibéria em busca de peles e outros recursos. Esses exploradores audaciosos eventualmente alcançaram o extremo leste da Ásia e cruzaram o Estreito de Bering. Em 1741, a expedição de Vitus Bering e Alexei Chirikov, patrocinada pelo governo russo, chegou à costa do Alasca. A expedição estabeleceu a presença russa na região e trouxe de volta notícias de vastas populações de lontras marinhas, cuja pele era extremamente valorizada.

    Com essa descoberta, os comerciantes de peles russos, conhecidos como "promyshlenniki", começaram a explorar a costa do Alasca, estabelecendo postos comerciais e interagindo com os povos nativos. Em 1784, Grigory Shelikhov, um dos principais comerciantes de peles, fundou o primeiro assentamento permanente russo na Ilha Kodiak. Este assentamento, Three Saints Bay, marcou o início oficial da colonização russa no Alasca. A Companhia Russo-Americana foi criada em 1799, recebendo um monopólio sobre o comércio de peles e outras atividades econômicas na região.

O Auge do Domínio Russo

    A colonização russa no Alasca não foi uma tarefa simples. Os russos enfrentaram um ambiente hostil, dificuldades de abastecimento e resistência dos povos nativos, como os Tlingit. Em 1804, a Batalha de Sitka foi um confronto significativo entre os russos e os Tlingit. Após uma vitória difícil, os russos estabeleceram Novo-Archangelsk (atual Sitka) como a capital de suas possessões no Alasca. Novo-Archangelsk tornou-se o principal centro administrativo e comercial da colônia, atraindo comerciantes, caçadores e missionários.

    A Companhia Russo-Americana desempenhou um papel central na colonização do Alasca. A empresa não apenas administrava o comércio de peles, mas também promovia a colonização, incentivando a imigração russa e estabelecendo escolas e igrejas ortodoxas para converter os nativos ao cristianismo. A administração colonial russa tentou criar uma sociedade autossuficiente, mas enfrentou muitos desafios, incluindo dificuldades econômicas e logísticas.

 Símbolo da Companhia Russo-Americana, responsável pela administração 


    O comércio de peles foi a espinha dorsal da economia colonial russa no Alasca. As peles de lontra marinha eram especialmente valiosas e eram exportadas para a China, onde podiam ser trocadas por seda, chá e outros produtos de luxo. No entanto, a superexploração levou ao declínio das populações de lontras marinhas, o que afetou a economia da colônia. Além disso, a vasta distância entre o Alasca e a o centro de poder da Rússia Imperial dificultava a administração eficiente e o abastecimento adequado da colônia.

    Nos meados do século XIX, a Rússia começou a reconsiderar a viabilidade de manter suas possessões na  sua colônia americana. A Crimeia foi devastada pela Guerra da Crimeia (1853-1856), o que colocou um enorme fardo financeiro sobre o império russo. Além disso, a presença russa no Alasca estava ameaçada pela expansão britânica e americana na região. As autoridades russas decidiram que a venda do Alasca seria uma solução prática para os seus problemas econômicos e estratégicos.

A Venda do Território

    Em 1867, após negociações entre o ministro russo nos Estados Unidos, Eduard de Stoeckl, e o secretário de Estado americano, William H. Seward, o Tratado de Cessão do Alasca foi assinado. Os Estados Unidos compraram o Alasca por 7,2 milhões de dólares, uma quantia considerada insignificante em retrospectiva. A transferência formal ocorreu em 18 de outubro de 1867, quando a bandeira russa foi baixada e a bandeira americana foi erguida em Sitka.

Assinatura do Tratado de Cessão do Alasca


    Interessante é que a venda do Alasca foi recebida com ceticismo e críticas tanto na Rússia quanto nos Estados Unidos. Muitos americanos inicialmente consideraram a compra como um desperdício de dinheiro, referindo-se a ela como "a loucura de Seward" ou "a geladeira de Seward". No entanto, a aquisição do Alasca se revelou uma decisão estratégica importante, especialmente após a descoberta de ouro no final do século XIX, que desencadeou a Corrida do Ouro de Klondike e atraiu milhares de colonos para a região.

Os Estados Unidos compraram o Alasca por 7,2 milhões de dólares


    Para a Rússia, a venda do Alasca marcou o fim de um capítulo na sua história colonial e imperial. O foco do império mudou para a expansão e desenvolvimento dentro da própria Rússia e na Ásia Central. Embora a colonização russa do Alasca tenha durado apenas pouco mais de um século, ela deixou um legado duradouro na cultura e na história da região. As influências russas ainda são visíveis no Alasca hoje, em locais históricos, nomes de lugares e na presença contínua da Igreja Ortodoxa Russa.

    A história da conquista e colonização russa do Alasca é um dos exemplos da exploração, comércio e competição imperialista predominante no pensamento da época, revelando as complexidades das interações entre colonizadores e povos nativos, bem como as consequências de longo prazo das decisões políticas e econômicas. A venda do Alasca para os Estados Unidos foi um ponto de mudança que moldou o futuro da região de forma significativa e refletiu a mudança do eixo de poder para os Estados Unidos, ainda que inconscientemente. 

Veja Também: Como a Rússia Conquistou o Alasca



sábado, 8 de junho de 2024

A Noite da Agonia — O Evento que mudou a história do Império

    A relação entre a Noite da Agonia e a Constituição Imperial do Brasil é um episódio crucial da história política brasileira, destacando as tensões e os conflitos que moldaram o nascimento da primeira constituição do país. A Noite da Agonia refere-se aos eventos de 11 de novembro de 1823, quando Dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte que estava encarregada de redigir a Constituição do Brasil. Este ato culminou em uma série de desentendimentos entre o imperador e os deputados, resultando em um episódio de violência e repressão que ficou marcado como um momento decisivo para a consolidação do poder imperial.

Dom Pedro I foi imperador do Brasil de dezembro
de 1822 a abril de 1831.


Antecedentes

    A história começa com a independência do Brasil em 1822, proclamada por Dom Pedro I. Após a independência, havia a necessidade de estabelecer um sistema de governo que garantisse a autonomia e a estabilidade do novo país. Em 1823, foi convocada uma Assembleia Constituinte, composta por representantes eleitos, para elaborar a primeira Constituição do Brasil. Esta Assembleia representava uma variedade de interesses regionais e políticos, desde os mais conservadores até os mais liberais.

    Os debates na Assembleia Constituinte foram intensos e acalorados, refletindo as divergências sobre o futuro político do Brasil. Os deputados discutiam sobre a natureza do governo, os limites dos poderes do imperador e os direitos dos cidadãos. Uma das principais áreas de discordância era a extensão dos poderes do monarca. Muitos deputados queriam limitar os poderes de Dom Pedro I, inspirados pelos princípios do liberalismo que defendiam a separação dos poderes e a soberania popular. 

Muitos deputados queriam limitar os poderes de Dom Pedro I (fonte: DALL-E)


    Dom Pedro I, por sua vez, estava preocupado em manter a unidade e a autoridade do estado central. Ele temia que um governo excessivamente fraco pudesse levar à fragmentação e ao caos, como estava ocorrendo em várias outras partes da América Latina. Além disso, Dom Pedro I era influenciado por conselheiros conservadores que defendiam uma monarquia forte e centralizada.

    À medida que os debates na Assembleia Constituinte avançavam, as tensões entre os deputados e o imperador aumentavam. A proposta de Constituição elaborada pela Assembleia limitava significativamente os poderes do imperador, algo que Dom Pedro I não podia aceitar. Ele via essas limitações como uma ameaça direta à sua autoridade e à estabilidade do país.

A Noite da Agonia

    A situação chegou ao ponto de ruptura na noite de 11 de novembro de 1823. Temendo um golpe contra sua autoridade, Dom Pedro I ordenou que as tropas imperiais cercassem o prédio da Assembleia Constituinte. Os soldados invadiram a Assembleia, prenderam vários deputados e dissolveram a Constituinte à força. Este evento ficou conhecido como a Noite da Agonia, devido à repressão e à violência empregadas contra os representantes eleitos do povo.

Pedro I ordenou que as tropas cercassem o prédio da Assembleia
Constituinte (fonte: DALL-E)


    Com a dissolução da Assembleia Constituinte, Dom Pedro I assumiu o controle do processo de elaboração da Constituição. Ele nomeou um Conselho de Estado, composto por pessoas de sua confiança, para redigir uma nova Constituição. Este grupo trabalhava sob a supervisão direta do imperador, garantindo que os interesses de Dom Pedro I fossem preservados no texto constitucional.

Consequências

    Em março de 1824, foi promulgada a Constituição Imperial do Brasil. Esta Constituição estabeleceu um sistema de governo monárquico constitucional, mas com significativas prerrogativas para o imperador. Entre as principais características da Constituição de 1824 estavam a criação do Poder Moderador, um quarto poder atribuído exclusivamente ao imperador, que lhe permitia intervir nos outros três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) para manter o equilíbrio e a harmonia entre eles. Esta medida garantia ao imperador um controle substancial sobre o governo.

    Além disso, a Constituição de 1824 estabeleceu um Senado vitalício, cujos membros eram nomeados pelo imperador a partir de uma lista tríplice indicada pelos eleitores das províncias. O sistema eleitoral também era censitário, restringindo o direito de voto aos homens livres que possuíam uma certa renda, o que limitava a participação popular no governo.

    A promulgação da Constituição de 1824 representou um compromisso entre as aspirações liberais e os interesses monárquicos. Embora ela incorporasse alguns princípios liberais, como a garantia de direitos civis e a separação dos poderes, também consolidava um governo centralizado e forte, com o imperador detendo poderes significativos. 

    A Noite da Agonia e a subsequente promulgação da Constituição de 1824 tiveram consequências duradouras para a política brasileira. A dissolução da Assembleia Constituinte demonstrou a disposição de Dom Pedro I de usar a força para manter sua autoridade, o que gerou desconfiança e oposição entre os liberais. A Constituição de 1824, por outro lado, estabeleceu as bases para a organização política do Império do Brasil e influenciou a forma como o país seria governado nas décadas seguintes.

    Este episódio histórico destaca as complexidades e os desafios enfrentados na construção de um novo estado e na definição de um sistema político que pudesse equilibrar as aspirações liberais com a necessidade de manter a ordem e a estabilidade. A Noite da Agonia e a Constituição Imperial do Brasil são testemunhos das tensões inerentes ao processo de formação de uma nação e à busca por um governo que pudesse garantir tanto a liberdade quanto a autoridade.

Veja também: A Noite da Agonia e a Constituição Imperial




sábado, 1 de junho de 2024

Qual o Legado de Anne Frank

    Anne Frank é uma das figuras mais conhecidas da história do Holocausto. Nascida Annelies Marie Frank em 12 de junho de 1929, em Frankfurt, Alemanha, se tornou o símbolo da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Sua vida e legado são comemorados em vários monumentos ao redor do mundo, incluindo o mais famoso monumento localizado em Amsterdã.

Monumento em memória ao Legado de Anne Frank


    Anne Frank e sua família se mudaram para Amsterdã em 1933, fugindo da crescente perseguição aos judeus na Alemanha. No entanto, com a ocupação alemã dos Países Baixos em 1940, a segurança da família Frank foi ameaçada novamente. Em julho de 1942, para escapar da deportação, a família se escondeu em um anexo secreto atrás do escritório do pai de Anne, Otto Frank. Eles permaneceram escondidos lá por dois anos, junto com outras quatro pessoas, até serem traídos e descobertos pelos nazistas em agosto de 1944.

O Diário

    Durante os anos em que viveu escondida, Anne Frank manteve um diário no qual descrevia suas experiências, pensamentos e sentimentos. Este diário, que ela chamou de "Kitty", oferece um relato profundo e comovente da vida sob ocupação e das dificuldades de viver escondida. Anne escreveu sobre sua esperança em um futuro melhor e seu desejo de ser escritora, refletindo uma maturidade e sabedoria impressionantes para sua idade.

Diário original de Anne Frank em exposição


    Após a descoberta do esconderijo, Anne e sua irmã Margot foram deportadas para o campo de concentração de Auschwitz e, posteriormente, para Bergen-Belsen, onde morreram de tifo em março de 1945, pouco antes da libertação do campo. Otto Frank, o único sobrevivente da família, retornou a Amsterdã após a guerra e encontrou o diário de Anne. Em 1947, ele decidiu publicá-lo, cumprindo assim o sonho de sua filha de se tornar uma escritora. O diário foi traduzido para dezenas de idiomas e se tornou um dos livros mais lidos e influentes do mundo.

O Legado

Otto Frank, pai de Anne Frank e único sobrevivente
da família
 


    legado de Anne Frank é honrado em diversos lugares ao redor do mundo, mas talvez o mais significativo seja o Anne Frank Huis (Casa de Anne Frank) em Amsterdã. Este museu está localizado no edifício que abrigava o anexo secreto onde a família Frank e os outros se esconderam. Aberto ao público em 1960, o museu atrai milhões de visitantes de todo o mundo que vêm para aprender sobre a vida de Anne e refletir sobre os horrores do Holocausto.

    Além do museu, há um monumento significativo dedicado à memória de Anne Frank em Amsterdã. O monumento, que inclui uma estátua de Anne, está situado na Praça Merwedeplein, perto da casa onde a família Frank viveu antes de se esconder. A estátua foi criada pelo escultor Mari Andriessen e inaugurada em 1975. Ela retrata Anne como uma jovem garota em pé, olhando para o horizonte, simbolizando sua esperança e espírito indomável. 

    O monumento serve como um lembrete poderoso da vida e do legado de Anne Frank. Ele inspira milhões a refletir sobre os perigos do ódio e da intolerância, e a importância de lutar contra o preconceito e a discriminação em todas as suas formas. Além disso, o monumento é um local de peregrinação para aqueles que desejam prestar homenagem a Anne e a todas as vítimas do Holocausto. Ele representa não apenas a tragédia pessoal da jovem Anne, mas também a tragédia coletiva de milhões de pessoas que sofreram sob o regime nazista.

Anne Frank na escola em Amsterdã — 1940


    A importância de preservar a memória de Anne Frank e educar as novas gerações sobre sua vida e o contexto histórico em que ela viveu não pode ser subestimada em hipótese alguma. O diário de Anne não é apenas um testemunho do passado, mas também um apelo por empatia, compreensão e ação contra a injustiça e a intolerância. 

    O monumento em sua memória, assim como o museu e as muitas publicações de seu diário, ajudam a manter viva a história de Anne Frank, e a recordar que mesmo em tempos difíceis é possível preservar a esperança.  

Veja Também: A Destruição de Jerusalém e a Origem da Diáspora Judaica




sábado, 25 de maio de 2024

O Ouro Chinês — Porque a China é a maior compradora e produtora de Ouro do Mundo

     A República Popular da China tem sido uma presença cada vez mais dominante no cenário econômico mundial nas últimas décadas. Como resultado, vemos esse gigante asiático assumir as primeiras posições na produção e consumo de diversos produtos e recursos impactando a economia global, entre os recursos mais desejados pelos chineses está o ouro. A produção e acumulação de ouro pela China se tornou uma prática que possui implicações econômicas, políticas e culturais que afetam profundamente o cenário dentro e fora da China

Nos últimos anos a China emergiu como o maior produtor mundial de ouro.


    Nos últimos anos o país asiático comprou mais do metal precioso do que qualquer outro banco central no mundo. Entre os motivos por trás dessa compra aparentemente desenfreada, está preocupação com futuras sanções envolvendo o dólar. Obviamente o aumento da reserva chinesa, dadas as proporções, ajudou a disparar o preço do ouro.

O Ouro e o Mundo

    O ouro tem uma importância histórica profunda que remonta milênios. Desde os tempos antigos, o ouro tem sido um símbolo de riqueza, poder e prestígio. Nas civilizações antigas, como as do Egito, Mesopotâmia e América Pré-Colombiana, o ouro era utilizado em cerimônias religiosas, rituais de sepultamento e como moeda de troca em transações comerciais. Sua raridade e brilho o tornavam um metal precioso altamente valorizado.

    Durante o período das grandes navegações e descobrimentos, o ouro desempenhou um papel crucial na expansão colonial europeia. A busca por ouro motivou explorações, conquistas territoriais e a construção de impérios. Grandes quantidades de ouro foram extraídas das Américas e transportadas para a Europa, enriquecendo os países colonizadores e financiando suas ambições expansionistas. 

Principais rotas da Rota da Seda


    Ao longo da história, o ouro também foi fundamental no estabelecimento de rotas comerciais globais, como as Rotas da Seda, que conectavam o Oriente ao Ocidente. O comércio de ouro estimulou o desenvolvimento de cidades e impulsionou a economia de regiões inteiras.

    Além de seu valor econômico, o ouro sempre teve um significado cultural e simbólico profundo em diversas sociedades. Ele era frequentemente associado a divindades e utilizado em rituais religiosos. Sua beleza e durabilidade o tornavam um material popular para a criação de artefatos e objetos de luxo.

    Hoje, o ouro mantém sua importância histórica como uma reserva de valor estável e um ativo financeiro seguro. É amplamente utilizado em joias, decorações e em uma variedade de aplicações industriais. Sua longa trajetória como um dos metais mais valiosos e cobiçados do mundo o torna um elemento fundamental na história da humanidade.

O Ouro Chinês

    É importante destacar o impressionante domínio da China na produção de ouro. Ao longo dos anos, o país emergiu como o maior produtor mundial do metal precioso, uma conquista que reflete sua crescente capacidade industrial e de mineração. Além disso, a China tem investido pesadamente na aquisição de ouro, com o Banco Popular da China (PBC) liderando o caminho ao comprar grandes quantidades do metal. Essas compras maciças de ouro têm impulsionado significativamente as reservas chinesas do metal, tornando o país um dos maiores detentores de reservas ouro do mundo.

O Banco Central da China detém cerca de 2.257 toneladas de ouro


    Por trás dessa estratégia de acumulação de ouro estão várias considerações econômicas e políticas. O ouro é visto como um investimento seguro em tempos de incerteza econômica e geopolítica. Diante de conflitos regionais e flutuações no mercado global, o ouro representa uma reserva de valor estável e confiável. Além disso, a China busca diversificar suas reservas internacionais, reduzindo sua dependência do dólar americano como principal moeda de reserva. O ouro, portanto, poderia desempenhar um papel crucial nessa estratégia de diversificação, oferecendo uma alternativa sólida para a preservação da sua capacidade econômica em relação ao dólar.

    Agora, o banco central da China detém cerca de 2.257 toneladas de ouro nos seus cofres. E ao que parece essa quantidade só tende a crescer ainda mais. 

    É interessante também que culturalmente, o ouro tem um significado profundo na China. Como símbolo de prosperidade e status, o ouro é altamente valorizado pelos consumidores chineses, que o veem não apenas como um investimento financeiro, mas também como uma expressão de riqueza e sucesso. Essa conexão cultural com o ouro tem impulsionado ainda mais a demanda pelo metal no país, contribuindo para sua posição como líder mundial na compra de ouro para uso pessoal e investimento.

    Mas é evidente que existem implicações globais da acumulação de ouro pela China, e elas são significativas. Ao aumentar suas reservas de ouro, a China fortalece sua posição como potência econômica e financeira global. Além disso, ela também amplia a sua crescente influência da no mercado global de ouro o que pode eventualmente levar a mudanças no equilíbrio de poder econômico mundial. Desde antes da Guerra da Ucrânia já existia um projeto de nações como Rússia e China em desafiar o domínio tradicional do dólar americano como a moeda de reserva principal de comércio.

    Na prática a estratégia de produção e acumulação de ouro da China é um reflexo de sua ascensão como superpotência econômica e sua busca por diversificação e segurança financeira.

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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Nova Caledônia — A Disputa na Colônia Francesa

     A Nova Caledônia, localizada no sudoeste do Oceano Pacífico, é um território ultramarino francês com uma história marcada pela colonização e pela complexa relação entre a França e a população nativa, os Kanaks. A história do domínio francês na Nova Caledônia começa no século XIX e é caracterizada por períodos de exploração, colonização, e conflitos, culminando em um processo contínuo de descolonização e busca por autonomia nos dias atuais.

Nova Caledônia é um território ultramarino francês 


A Chegada dos Europeus e o Início da Colonização Francesa

    Os primeiros europeus a avistarem a Nova Caledônia foram os britânicos, com o explorador James Cook descobrindo a ilha em 1774 e nomeando-a em homenagem à Escócia (Caledônia é o nome latino da Escócia). No entanto, a colonização efetiva não começou até que a França tomou interesse estratégico e econômico na região.

 James Cook foi o primeiro explorador europeu a alcançar a ilha


    Em 1853, sob o comando do almirante francês Febvrier Despointes, a França anexou oficialmente a Nova Caledônia. Este ato foi parte de uma estratégia mais ampla de expansão colonial francesa no Pacífico, que visava reforçar a presença da França na região frente ao crescimento do Império Britânico. A partir de 1864, a Nova Caledônia começou a ser usada como uma colônia penal, recebendo cerca de 22.000 prisioneiros até 1897.

A Exploração dos Recursos e os Conflitos com os Kanaks

    A descoberta de vastos depósitos de níquel no final do século XIX intensificou a colonização francesa. A mineração tornou-se uma atividade econômica central e trouxe consigo um influxo de colonos franceses e trabalhadores contratados de outras partes da França e de colônias asiáticas e polinésias. A exploração intensiva dos recursos naturais resultou em um impacto ambiental significativo e em uma pressão crescente sobre as terras tradicionais dos Kanaks.

    Os Kanaks, que compõem a população indígena da Nova Caledônia, viviam em uma sociedade organizada em tribos e com uma relação profundamente enraizada com suas terras ancestrais. A expansão colonial francesa e a subsequente apropriação de terras resultaram em conflitos frequentes. A resistência Kanak ao domínio colonial francês culminou na Grande Revolta de 1878, onde várias tribos se uniram contra os colonos franceses e suas políticas de expropriação de terras. A revolta foi brutalmente reprimida pelos franceses, resultando na morte de muitos Kanaks e na intensificação da marginalização da população indígena.

Século XX: Reformas e Movimentos de Independência

    Durante o século XX, a relação entre a França e os Kanaks continuou tensa, marcada por esforços de assimilação cultural e resistência à colonização. Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma mudança nas políticas coloniais francesas, com a introdução de reformas que visavam conceder mais direitos aos territórios ultramarinos. Em 1957, a Nova Caledônia tornou-se um território ultramarino com um certo grau de autonomia administrativa.

    O movimento de independência Kanak ganhou força nas décadas de 1960 e 1970, influenciado pelos movimentos anticoloniais globais. Em 1984, foi criado o Frente de Libertação Nacional Kanak Socialista (FLNKS), que liderou uma campanha pela independência completa. Este período foi marcado por intensos conflitos e violência entre os partidários da independência e os colonos franceses, culminando nos eventos de 1988 conhecidos como os "Eventos de Ouvéa", onde uma tomada de reféns por militantes Kanaks resultou em uma intervenção militar francesa e na morte de vários reféns e insurgentes.

Os Acordos de Matignon e o Caminho para a Autonomia

Os "Eventos de Ouvéa" levaram a negociações que resultaram nos Acordos de Matignon em 1988. Estes acordos estabeleceram um período de dez anos de transição, durante o qual medidas significativas de desenvolvimento econômico e social seriam implementadas em favor da população Kanak. Em 1998, os Acordos de Nouméa foram assinados, definindo um processo gradual de descolonização e prevendo a possibilidade de um referendo sobre a independência após um período de vinte anos.

O Futuro da Nova Caledônia

    O referendo sobre a independência da Nova Caledônia foi realizado pela primeira vez em 2018, com o "não" à independência vencendo com 56,4% dos votos. Um segundo referendo em 2020 também resultou na rejeição da independência, embora com uma margem mais estreita de 53,3%. O terceiro e último referendo, realizado em 2021, novamente rejeitou a independência, desta vez com 96,5% dos votos, mas com uma taxa de participação muito baixa devido ao boicote dos partidos pró-independência.

A relação entre a França e os Kanaks continua cada vez mais complexa


    A relação entre a França e os Kanaks continua complexa. Embora a Nova Caledônia permaneça sob soberania francesa, o desejo de maior autonomia e reconhecimento dos direitos e da cultura Kanak permanece forte. A França, por sua vez, busca equilibrar seus interesses estratégicos na região com o respeito às aspirações dos povos indígenas, em um contexto de diálogo contínuo e negociações políticas.

    A relação entre a França e a população original é caracterizada tanto por conflitos quanto por esforços de reconciliação e reconhecimento, em um processo histórico que ainda está em evolução.


Veja Também: A Relação entre França e o Povo Kanak




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