A França manteve uma presença significativa em várias ex-colônias africanas, mas essa presença tem sido remodelada e contestada recentemente devido a mudanças políticas e sociais tanto na França quanto nos países africanos. A presença francesa na África tem uma longa e complexa história. Mesmo após a independência de suas ex-colônias, a França manteve laços econômicos e militares com seus antigos territórios, permanecendo como o principal parceiro comercial, político e militar de alguns desses novos países.
A França possui uma longa e complexa história de influência na África |
E é justamente a presença militar francesa na África que tem sido um dos principais temas de debate nos últimos anos. Para entender essa estranha relação, precisamos voltar um pouco no tempo, para o período de expansão colonial posterior ao Conferência de Berlim. A Conferência de Berlim foi um encontro que aconteceu entre novembro de 1884 e fevereiro de 1885, com o objetivo de organizar a exploração e ocupação do continente africano pelas potências europeias. A conferência foi organizada por Otto von Bismarck, chanceler da Alemanha, e as reuniões aconteceram na Chancelaria do Reich, em Berlim. A conferência institucionalizou o domínio europeu sobre o continente africano, dividindo-o entre as potências sem considerar os interesses das populações africanas.
Otto von Bismarck (Chanceler Alemão) |
A presença francesa, em especial a presença militar francesa na África é um dos temas mais complexos e controversos da geopolítica moderna. O interesse da França em manter bases militares em vários países africanos está enraizado na política francesa independentemente do partido no poder. Uma mistura de fatores históricos, econômicos e estratégicos que remontam ao período colonial.
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O Passado Colonial Francês e a Formação das Relações
A França, durante o auge do colonialismo no final do século XIX e início do século XX, estabeleceu um vasto império colonial que se estendia por toda a África Ocidental e Central. Países como Senegal, Mali, Costa do Marfim, Chade e Níger foram incorporados ao império francês, formando a base da chamada "Françafrique" — uma expressão que indica a continuidade da influência francesa nos assuntos internos desses países mesmo após a independência.
Durante o período colonial a França desenvolveu uma infraestrutura militar significativa em suas colônias para garantir o controle e proteger seus interesses. Com a descolonização após a Segunda Guerra Mundial, muitas dessas nações conquistaram a independência, mas a França manteve uma forte presença militar e econômica nesses novos países. Após a emancipação, em troca de apoio político e militar, muitos líderes africanos concediam privilégios econômicos à França, perpetuando uma relação de dependência que beneficiava as elites africanas e os interesses franceses.
Relações com Ditadores e Militares: Um Alinhamento de Interesses
Uma das faces mais polêmicas dessa interação seja provavelmente a relação com ditaduras. Após a independência desses países, a França cultivou relações estreitas com vários regimes autoritários na África. Personagens como Omar Bongo no Gabão e Félix Houphouët-Boigny na Costa do Marfim contavam com algum apoio francês. Líderes que foram muitas vezes mantidos no poder graças ao apoio militar e financeiro de Paris. Em troca, esses governos asseguravam que os interesses econômicos franceses fossem preservados, especialmente em setores-chave como petróleo, mineração e infraestrutura.
Presidente Omar Bongo durante visita à Holanda |
A cooperação militar também permitiu à França manter bases estratégicas em pontos cruciais do continente. Essas bases, além de protegerem os interesses franceses, serviam como plataformas para intervenções rápidas em crises regionais, como a Operação Serval no Mali, onde tropas francesas foram mobilizadas para conter a ameaça de grupos jihadistas no Sahel. O Sahel é uma vasta faixa de transição na África, situada entre o deserto do Saara ao norte e a savana sudanesa ao sul, um cinturão que separa o norte da África da chamada África Subsaariana. Uma região que enfrenta diversos desafios, como a desertificação, mudanças climáticas e conflitos. A região tem sido afetada por longos períodos de seca, que impactam negativamente a agricultura e a segurança alimentar da população.
O Interesse Econômico: Recursos Naturais e Estratégia Geopolítica
O interesse econômico da França na África não pode ser simplesmente ignorado. O continente africano é rico em recursos naturais essenciais, como petróleo, gás, urânio, ouro e outros minerais, que são vitais para a economia francesa e a indústria europeia em geral. Países como o Níger, por exemplo, fornecem urânio, um recurso crítico para a produção de energia nuclear na França, que depende fortemente dessa fonte de energia para sua matriz energética.
A África possui inúmeros recursos necessários para a economia da França |
Aproximadamente 70% da eletricidade do país é gerada por usinas nucleares. Isso faz da França o segundo maior produtor de energia nuclear do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
Além dos recursos naturais, a África é vista como um mercado emergente com potencial de crescimento significativo. A França, por meio de suas empresas multinacionais, tem investido em setores como telecomunicações, infraestrutura e serviços financeiros em várias nações africanas. A presença militar francesa ajuda a proteger esses investimentos, garantindo um ambiente relativamente estável para o capital francês.
A Crise Atual com a Rússia e o Crescente Desafio Geopolítico
Nos últimos anos, a França tem enfrentado novos desafios à sua influência na África, particularmente com o surgimento de uma nova potência geopolítica: a Rússia. A Rússia, sob a liderança de Vladimir Putin, tem aumentado sua presença na África por meio de alianças militares e acordos econômicos. Países como a República Centro-Africana e Mali têm visto um aumento da influência russa, muitas vezes em detrimento da presença francesa.
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A Rússia tem utilizado empresas militares privadas, como o Grupo Wagner, para fornecer apoio militar a regimes africanos em troca de concessões econômicas, especialmente em mineração. Essa estratégia tem corroído a influência francesa em regiões onde Paris tradicionalmente dominava, ampliando as tensões e criando um novo cenário de competição global na África.
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